Aqui vai um texto que escrevi há gloriosos 17 anos.
O sol estava radioso!!
D. Chica, D. Carlota, D. Mariazinha e D. Augusta tiveram o mesmo pensamento. Mal vislumbraram o dia que tinha acabado de nascer prepararam as rendas, vestiram os fatos de trabalho (avental por cima das batas), colocaram, geometricamente, os alfinetes no cabelo, olearam com um copo de água o aparelho vocal, fecharam energicamente as portas, desceram, cambaleando, as escadas e, sincronicamente, pararam junto do café do Sr José:
- Olá, velhas raposas — disse amigavelmente D. Chica.
- Corno as meninas estão bonitas! — exclamou cinicamente D. Carlota, a líder do grupo em termos de má-língua.
— Vamos entrar no café? — sugeriu esfomeada D. Mariazinha.
— Boa ideia — apoiou D. Augusta, a mais observadora do grupo.
Entraram e sentaram-se na mesa do canto mais remoto, para desta maneira obterem uma observação global do café.
— Então o que é que as meninas vão tomar? — perguntou com visível desinteresse o Sr José.
— Um cházinho, meia torrada e um pastel de nata — responderam em coro.
O Sr José voltou com o pequeno-almoço, atirou o chá, torradas, e bolos para cima da mesa e afastou-se do grupo.
- Vocês viram o que eu vi? — perguntou D. Augusta.
- Ho, ho — responderam as outras três.
- Ah, se a mulher sabe! —disse D. Augusta.
- Mas a marca de batôn não pode ser da muIher? perguntou D. Mariazinha enquanto mastigava gulosamente a torrada.
- Pode lá ser da mulher! A mulher nunca usou batôn— retorquiu D. Augusta, golpeando os argumentos de D. Mariazinha.
— Ela gasta o batôn com outros homens! — afirmou, peremptoriamente D. Carlota.
— Ho, ho! — responderam as outras três.
Repentinamente D. Chica amaciou o farto buço, olhou por detrás dos enormes óculos D. Mariazinha, e disse enquanto bebia sofregamente a ultima gota do chá:
— D. Mariazinha, chegou-me aqui aos meus ouvidos que a sua neta anda grá...?
— Anda quê?! — perguntou D. Mariazinha que começou a suspeitar da afirmação da companheira.
— Anda grávida, sabe, aquilo que lhe aconteceu 12 vezes! — afirmou D. Chica que começou a excitar-se com a conversa.
D. Mariazinha olhou para as comparsas de mesa, e fixou a sua atenção na cara da D. Chica que se contorcia energeticamente.
— Então, o que é que tem, a minha netinha está de barriga e pronto. Também eu estive, também a minha filha, e pronto!! — exclamou D. Mariazinha, que começou a fazer renda a uma velocidade alucinante.
— Só que a sua neta não tem aliança no dedinho, e tem apenas 17 anos — afirmou D. Chica, que tinha atingido o orgasmo do prazer de maldizer.
D. Mariazinha parou de fazer renda, olhou para as companheiras, pegou na ponta da bata, limpou as lágrimas, levantou-se, e disse furiosa:
— Vocês são umas gralhas!!
D. Mariazinha saiu do café e, passados 15 minutos, entrou na sua casa, situada a cem metros.
— Lá vai a raposa. Realmente, a neta é fresca é — disse D. Augusta, que transpirava com a violência linguística da cena.
— José, dose dobrada! — ordenou D. Carlota.
Às 6 horas da tarde foram para casa. Às 10 horas deitaram-se. Tinha passado mais um dia nas suas longas vidas.
No dia seguinte o sol estava radioso!
D. Chico, D. Carlota, D. Mariazinha, D. Augusta tiveram o mesmo pensamento. Mal olharam para o dia que tinha acabado de nascer prepararam as rendas...